Fui ver ontem na ALAIM, Palavras de Jó, um monólogo encenado e interpretado por João Branco, no primeiro dia do Mindelact, e, devo dizer que, depois dos cerca quarenta e tal intensos minutos de lavagem espiritual, por absorção plástica, sonora e lírica do puramente belo, deixei a academia, sentindo-me em ressonância positiva, e acreditando mais na boa índole do Homem e na poesia da existência.
O texto da peça, é o que eu chamaria de, uma bela e poética blasfémia - passe a expressão - do livro de Jó e da Bíblia. O Jó de Matéi Visniec não é mais o homem temente a Deus, do Antigo Testamento, mas um homem com a mesma retidão , bondade e endurance no sofrimento, e que, apesar de todos os pesares, ainda acredita, desesperadamente, no género humano. Embora impregnado de laícismo trata-se sem duvida de uma profunda profissão de fé na integridade do homem, na sua vocação para o amor e o bem, no poder do pensamento e do seu maior veiculo de expressão: a PALAVRA. #Palavras_de_Jó, fala pois, num tempo de descrença, da esperança num homem feito á imagem e semelhança da poesia, e é tudo!
Na mesma linha do texto a encenação de J.B., assistida por Patricia Silva, monta quadros impactantes, sublinhados por scream de Guitarra elétrica (exímia de Nuno Tavares), fazendo a não apologia da violência, do sangue, do terrorismo e outros ismos, como via legitima para sarar as dores da humanidade.
A interpretação assenta-se numa partitura audiovisual muito bem construída, e o texto é dito com um andamento entre Adagio e Moderato, mas nunca roça a litania, seja porque o gestual é sóbrio mas forte e a emoção faz o ponto, seja porque o actor quase nos toca fisicamente com a sua honestidade artística e em cada respiração e silencio há muita coisa para ser lida por quem nao sofre de cegueira plástica.
O intróito da peça, como todo o inicio "Branconiano" do meu ponto de vista, é longo e puxa a repetição ao limite, talvez para criar o clima e dar o andamento da peça, mas o final é deveras apoteótico, luminoso, e até surpreendente pelo "Repar" à Black Side das palavras de Jó.
Há porém em toda a peça um elemento , não sei até que ponto intencional, mas que marca e interpela: O apontar do dedo, primeiro a nossa esquerda depois a direita e finalmente para nós! Porque? Para quem exatamente? Cá por mim as palavras de jó, de joão Branco/Matéi Visniec é um apontar de dedo não à humanidade mas para o interior do homem. E é tudo.
Texto crítico de Emanuel Ribeiro - publicado a 19 de setembro de 2016