Texto sobre a encenação de "Do-Eu", apresentado no Teatro Vila Velha, nos dias 24 e 25 de Agosto, no âmbito do projeto KCena 2015.
Quando cheguei ao Teatro Vila Velha para esta segunda experiência do KCena, vinha completamente aberto para tudo, sem nada pré-definido, a não ser com os diálogos do escritor Rui Zink, no seu livro “A Instalação do Medo”, cujo potencial cénico era inegável. Trabalhei com um elenco constituído por duas dezenas de intérpretes e criadores que comigo construíram uma dramaturgia sustentada em dois campos complementares: um micro e interior, onde cada um procurou e expôs durante o processo – com uma extraordinária coragem – o medo da gaveta mais escondida do seu ser; e um macro e exterior, onde se denuncia a instalação global do medo a que todos estamos sujeitos, pela propaganda, pelos mídia, por políticos e/ou criminosos e por todos esses pequenos ou grandes poderes instalados que tentam, a todo o custo, e com relativo sucesso, ser donos de nossas vidas.
Eduardo Galeano, famoso escritor cujo texto sobre o medo também é incluído no espetáculo, dizia que é preciso criar tendo um olho no microscópio e outro olho no telescópio, e foi isso que procuramos fazer. Enfiamos um bisturi dentro de nossas almas e vomitamos nossas dores e medos mais profundos. Por outro lado, ironizamos sobre a forma como o medo vem sendo instalado por quem entra em nossa casa sem pedir licença e instala um serviço de manipulação que nos faz ter medo de própria sombra, nos transforma em seres inertes, que tudo aceitam sem protesto, que tudo comem sem questionar, que tudo ouvem sem refletir.
Muitas vezes nos emocionamos durante o processo, que foi sempre colaborativo e contou com a participação de todos, construindo nosso mundo enclausurado, dividido a régua e esquadro, cruel e paralisador, com o qual o público será confrontado.
Que o medo de cada um, seja isso mesmo, apenas o medo de cada um. E não o medo que o sistema quer que exista em nós. Que esse medo sirva para estar alerta e não desatento, que seja enfrentado e que com ele possamos conviver e crescer. E se este medo ficar de saco cheio e quiser ir embora, deixemo-lo ir. Arranjamos outro. Ou esse outro nos encontra a nós. Mas que essa seja sempre uma escolha nossa ou do nosso medo.
Precisamos, cada vez mais, como disse Galeano, de lutar por um mundo que seja a casa de todos e não a casa de poucos – e o inferno da maioria.