Um texto de Neu Lopes (designer gráfico, actor, sonoplasta, etc.)
Caros amigos… permitam-me que vos trate por amigos. Pois, é assim que nos sentimos no teatro.
Começo por congratular, mais uma vez, ao Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo por este feito.
São cinquenta espectáculos, cinquenta criações, obras do acaso imaginário de pessoas que fazem do teatro cabo-verdiano a arte que nós conhecemos e muito apreciamos.
Agradeço também por o grupo, os atores o Buxik e sobretudo o João Branco me terem dado a oportunidade de fazer parte desta história que, como diria Manuel d’Novas, “escrita co letra e pena d’or”. Não são cinquenta anos, mas já é motivo de reflexão. Senão, vejamos: um grupo teatral que não tem cinquenta anos já contar com cinquenta produções... O que se demonstra aqui que o inimaginável é possível. Convém mesmo dizer... É OBRA!
Para iniciar a minha apresentação, vou ler um pequeno texto do livro, mais precisamente na contracapa, escrito pelo Diretor artístico do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, João Guedes Branco: “O grupo mudou os paradigmas do teatro cabo-verdiano. A qualidade plástica das encenações, a ousadia experimental das montagens, a diversidade dramatúrgica na escolha das peças e a promoção do teatro cabo-verdiano além fronteiras são apenas alguns dos aspetos que saliento. O GTCCPM conquistou um público novo e exigente para o teatro cabo-verdiano e contribuiu para o aparecimento de novas campanhas”
Tendo experiência teatral diria que sim, é verdade.
O GTCCPM tem sido motivo de inspiração para a formação de novos grupos e o Centro Cultural Português, mentor do grupo e também do Curso de Iniciação Teatral o alimentador desses grupos, tendo em conta a montra de atores que formou. Formou não só atores como também homens, porque ao entrar para o teatro não mais seremos o que éramos antes. O teatro ensina, educa, forma pessoas. E “Palco 50” não é mais que o coroar de muito trabalho. Peguem destas 50 produções, mais do dobro da vida do grupo, e multipliquem-nas por dois, por três, por quatro ou mais vezes e encontrarão a tradução do produto do trabalho que é levado aos vários palcos espalhados pelo mundo através dos mais conceituados festivais.
Mas falemos do livro. O livro é, em si, uma obra de arte. Bem conseguido, um design moderno, clean, apresentando uma mancha gráfica muito equilibrada, que plasma um conjunto de textos muito interessantes, escritos com a alma e a paixão que o teatro insere em nossas veias e imagens de encher os olhos. Textos da nossa mente crítica, porém verdadeira pela vivência e sentimento transmitido em espetáculos quase sempre ovacionados com todo o entusiasmo. Imagens de fotógrafos profissionais ou não, atraídos pelo hímen do espetáculo cénico. Imagens que imprimem em nossas mentes essa bonita recordação de uma clara evolução plástica ao longo dos anos. Imagens que nos fazem lembrar do ritmo da encenação, dos diálogos e da própria sonoplastia meticulosamente projetada e construída que ajudaram a arrastar multidões e a criar um público cada vez mais crítico.
Imagens de pessoas que praticamente formam uma família num tão pequeno meio. Nomes relacionados como João Barbosa, Tchitche, Luís Couto, Kisó Oliveira, Hélder Doca, Nelson Ribeiro, Diogo Bento entre outros, ou o próprio encenador e ator João Branco.
E não seria o teatro a arte da convergência de todas as artes se não unisse músicos, sonoplastas, artistas plásticos, escritores, fotógrafos, designers gráficos, caraterizadores e muitos outros metiers e artefactos.
“Palco 50” é, pois, um tributo àqueles que fizeram da crioulização a sua bandeira. Começando por “O Fantasma de São Filipe”, a partir de Oscar Wilde, passeando por textos de grandes nomes da dramaturgia clássica e contemporânea das mais variadas nacionalidades.
O GTCCPM conseguiu conquistar o seu espaço e ganhar um importante nome que terá seduzido artistas de renome como Vasco Martins, Luís Morais, Germano Almeida, Orlando Pantera, Vamar Martins, Bento Oliveira, Arménio Vieira, Mano Preto do grupo Raíz di Polon, Mário Lúcio Sousa, Fernando (Nóia) Morais, enfim, jovens e experimentados.
Mas o GTCCPM é também uma escola de atores e uma escola de vida. Um universo de nossas vidas artísticas que espelham a alma mindelense que, em si, já é teatral. Penso que não seria possível retratar neste pequeno livro todo o trabalho feito. Poderá ter ficado alguma peça por falar, algum texto por relembrar. Mas, com certeza há em “Palco 50”, mais que um simples catálogo retrospetivo.
Pouco me lembro sobre a forma como entrei e nem quando entrei para a história deste grupo. Lembro-me da minha rendição pela criatividade sonora, pelo design, pelo espetáculo, pelo texto de um humor contundente que “O Fantasma de São Filipe” me oferecia. Um espetáculo que não me deixou saudades de “Virgens Loucas” de António Aurélio Gonçalves e ter-me-á arrastado para outros como “A casa de Nha Bernarda”, “Mancarra”, “Telemania”, “A sapateira prodigiosa”, “Salon”, “Rei Lear – Nhô Rei já bá cabéça”, “Mar alto”, “O doido e a morte”, “Auto da compadecida”, até o texto incontornável de Arménio Vieira e a interpretação estonteante do elenco formado por Manuel Estevão, Elísio Leite, Arlindo Rocha e Fonseca Soares em “No Inferno”, não deixando atrás “Máscaras”, “Bodas de sangue”, “Escola de Mulheres”. Enfim, peças desde o humor hilariante da comédia “Auto de Holanda” à abordagem de temas do nosso quotidiano, entre os quais os sérios, preocupantes, atuais e existenciais como “Teorema do Silêncio” e “Quotidiamo”.
Enfim, prefiro lembrar que ainda cá estou e que fui seduzido por essas obras que me fazem, orgulhosamente, chamar mais e mais pessoas amigas para virem ver esta arte que continua a sobreviver a todo o tipo de crise. Aliás, esse é um papel fundamental do teatro e dos cursos de iniciação teatral – formar um público assíduo.
As fotografias que estão neste livro e patentes na exposição que poderão ver aqui neste centro são a demonstração pública de que devemos lutar, havendo ou não espaço, havendo ou não material de trabalho ou oportunidades. As oportunidades farejam-se ou são criadas. Só assim é possível (Germano Almeida que me permita utilizar suas palavras) “ (...) ver um grupo de juventude renovada crescendo em qualidade, rigor e perícia, usando com sabedoria esse viveiro de arte cénica que é Mindelo”
Obrigado a todos os atores graúdos, desde Estevão e Ducha Faria (que tive a oportunidade de ver atuar ainda na Escola Salesiana), Tchá, Elísio, Cula, Bety, Zenaida, chegando ao Djay Estevão e à Janaína. Obrigado ao Anselmo, ao Edson e à sua equipa de buldónhes da iluminação (buldónhes à antiga mesmo). Obrigado ao Vasco, ao Ti Lis, ao Khaly, ao Di Fortes. Obrigado ao Buxik, ao João Paulo, ao J.B. Obrigado à Ana Cordeiro, por ter sabido apreciar e apoiar quando foi necessário.
Obrigado até a mim mesmo, integrante desse meio artístico e, sobretudo, integrante desse público fantástico, incomparável e, de certa forma, imensurável que é Mindelo.
Coisas dessas também me fazem sentir orgulho de ser cabo-verdiano.
Caros amigos… permitam-me que vos trate por amigos. Pois, é assim que nos sentimos no teatro.
Começo por congratular, mais uma vez, ao Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo por este feito.
São cinquenta espectáculos, cinquenta criações, obras do acaso imaginário de pessoas que fazem do teatro cabo-verdiano a arte que nós conhecemos e muito apreciamos.
Agradeço também por o grupo, os atores o Buxik e sobretudo o João Branco me terem dado a oportunidade de fazer parte desta história que, como diria Manuel d’Novas, “escrita co letra e pena d’or”. Não são cinquenta anos, mas já é motivo de reflexão. Senão, vejamos: um grupo teatral que não tem cinquenta anos já contar com cinquenta produções... O que se demonstra aqui que o inimaginável é possível. Convém mesmo dizer... É OBRA!
Para iniciar a minha apresentação, vou ler um pequeno texto do livro, mais precisamente na contracapa, escrito pelo Diretor artístico do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, João Guedes Branco: “O grupo mudou os paradigmas do teatro cabo-verdiano. A qualidade plástica das encenações, a ousadia experimental das montagens, a diversidade dramatúrgica na escolha das peças e a promoção do teatro cabo-verdiano além fronteiras são apenas alguns dos aspetos que saliento. O GTCCPM conquistou um público novo e exigente para o teatro cabo-verdiano e contribuiu para o aparecimento de novas campanhas”
Tendo experiência teatral diria que sim, é verdade.
O GTCCPM tem sido motivo de inspiração para a formação de novos grupos e o Centro Cultural Português, mentor do grupo e também do Curso de Iniciação Teatral o alimentador desses grupos, tendo em conta a montra de atores que formou. Formou não só atores como também homens, porque ao entrar para o teatro não mais seremos o que éramos antes. O teatro ensina, educa, forma pessoas. E “Palco 50” não é mais que o coroar de muito trabalho. Peguem destas 50 produções, mais do dobro da vida do grupo, e multipliquem-nas por dois, por três, por quatro ou mais vezes e encontrarão a tradução do produto do trabalho que é levado aos vários palcos espalhados pelo mundo através dos mais conceituados festivais.
Mas falemos do livro. O livro é, em si, uma obra de arte. Bem conseguido, um design moderno, clean, apresentando uma mancha gráfica muito equilibrada, que plasma um conjunto de textos muito interessantes, escritos com a alma e a paixão que o teatro insere em nossas veias e imagens de encher os olhos. Textos da nossa mente crítica, porém verdadeira pela vivência e sentimento transmitido em espetáculos quase sempre ovacionados com todo o entusiasmo. Imagens de fotógrafos profissionais ou não, atraídos pelo hímen do espetáculo cénico. Imagens que imprimem em nossas mentes essa bonita recordação de uma clara evolução plástica ao longo dos anos. Imagens que nos fazem lembrar do ritmo da encenação, dos diálogos e da própria sonoplastia meticulosamente projetada e construída que ajudaram a arrastar multidões e a criar um público cada vez mais crítico.
Imagens de pessoas que praticamente formam uma família num tão pequeno meio. Nomes relacionados como João Barbosa, Tchitche, Luís Couto, Kisó Oliveira, Hélder Doca, Nelson Ribeiro, Diogo Bento entre outros, ou o próprio encenador e ator João Branco.
E não seria o teatro a arte da convergência de todas as artes se não unisse músicos, sonoplastas, artistas plásticos, escritores, fotógrafos, designers gráficos, caraterizadores e muitos outros metiers e artefactos.
“Palco 50” é, pois, um tributo àqueles que fizeram da crioulização a sua bandeira. Começando por “O Fantasma de São Filipe”, a partir de Oscar Wilde, passeando por textos de grandes nomes da dramaturgia clássica e contemporânea das mais variadas nacionalidades.
O GTCCPM conseguiu conquistar o seu espaço e ganhar um importante nome que terá seduzido artistas de renome como Vasco Martins, Luís Morais, Germano Almeida, Orlando Pantera, Vamar Martins, Bento Oliveira, Arménio Vieira, Mano Preto do grupo Raíz di Polon, Mário Lúcio Sousa, Fernando (Nóia) Morais, enfim, jovens e experimentados.
Mas o GTCCPM é também uma escola de atores e uma escola de vida. Um universo de nossas vidas artísticas que espelham a alma mindelense que, em si, já é teatral. Penso que não seria possível retratar neste pequeno livro todo o trabalho feito. Poderá ter ficado alguma peça por falar, algum texto por relembrar. Mas, com certeza há em “Palco 50”, mais que um simples catálogo retrospetivo.
Pouco me lembro sobre a forma como entrei e nem quando entrei para a história deste grupo. Lembro-me da minha rendição pela criatividade sonora, pelo design, pelo espetáculo, pelo texto de um humor contundente que “O Fantasma de São Filipe” me oferecia. Um espetáculo que não me deixou saudades de “Virgens Loucas” de António Aurélio Gonçalves e ter-me-á arrastado para outros como “A casa de Nha Bernarda”, “Mancarra”, “Telemania”, “A sapateira prodigiosa”, “Salon”, “Rei Lear – Nhô Rei já bá cabéça”, “Mar alto”, “O doido e a morte”, “Auto da compadecida”, até o texto incontornável de Arménio Vieira e a interpretação estonteante do elenco formado por Manuel Estevão, Elísio Leite, Arlindo Rocha e Fonseca Soares em “No Inferno”, não deixando atrás “Máscaras”, “Bodas de sangue”, “Escola de Mulheres”. Enfim, peças desde o humor hilariante da comédia “Auto de Holanda” à abordagem de temas do nosso quotidiano, entre os quais os sérios, preocupantes, atuais e existenciais como “Teorema do Silêncio” e “Quotidiamo”.
Enfim, prefiro lembrar que ainda cá estou e que fui seduzido por essas obras que me fazem, orgulhosamente, chamar mais e mais pessoas amigas para virem ver esta arte que continua a sobreviver a todo o tipo de crise. Aliás, esse é um papel fundamental do teatro e dos cursos de iniciação teatral – formar um público assíduo.
As fotografias que estão neste livro e patentes na exposição que poderão ver aqui neste centro são a demonstração pública de que devemos lutar, havendo ou não espaço, havendo ou não material de trabalho ou oportunidades. As oportunidades farejam-se ou são criadas. Só assim é possível (Germano Almeida que me permita utilizar suas palavras) “ (...) ver um grupo de juventude renovada crescendo em qualidade, rigor e perícia, usando com sabedoria esse viveiro de arte cénica que é Mindelo”
Obrigado a todos os atores graúdos, desde Estevão e Ducha Faria (que tive a oportunidade de ver atuar ainda na Escola Salesiana), Tchá, Elísio, Cula, Bety, Zenaida, chegando ao Djay Estevão e à Janaína. Obrigado ao Anselmo, ao Edson e à sua equipa de buldónhes da iluminação (buldónhes à antiga mesmo). Obrigado ao Vasco, ao Ti Lis, ao Khaly, ao Di Fortes. Obrigado ao Buxik, ao João Paulo, ao J.B. Obrigado à Ana Cordeiro, por ter sabido apreciar e apoiar quando foi necessário.
Obrigado até a mim mesmo, integrante desse meio artístico e, sobretudo, integrante desse público fantástico, incomparável e, de certa forma, imensurável que é Mindelo.
Coisas dessas também me fazem sentir orgulho de ser cabo-verdiano.