Um texto de Nuno Andrade Ferreira (jornalista)
Gostaria de começar por agradecer o convite que o João Branco me fez para estar aqui, a co-apresentar o livro Palco 50.
Quando o João me convidou, refilei durante 30 segundos. Argumentei que ando com pouco tempo – o que é verdade – e que não tinha a certeza sobre o que dizer numa ocasião tão especial. Ao primeiro argumento o João respondeu-me que, com pouco tempo, andamos todos. Ao segundo, não faço ideia.
De facto, continuo sem saber o que é que estou aqui a fazer. Porque raio é que me pediram para apresentar um livro sobre um grupo de teatro cuja história conheço apenas de passagem. Poupo-vos, naturalmente, ao aborrecimento de me ouvirem falar de mim próprio, mas não posso deixar de me confessar: não percebo nada de teatro. Ou vá, não percebo mais do que pode perceber um espectador relativamente assíduo, de há vários anos. Ou um tipo que, por coincidências profissionais, se tem cruzado com o teatro aqui e ali. Bem, também tive umas aulas de expressão dramática no liceu, mas não vamos por aí...
Dizia-vos que, profissionalmente, tenho tido a sorte de me cruzar com o teatro. Uma dessas vezes em que a sorte nos juntou foi em 2013, na altura em que preparei para a Rádio Morabeza uma grande reportagem sobre os vinte anos do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português. Este mesmo pelo qual hoje nos juntámos.
Não me atrevo a palpitar sobre o grupo, correndo o risco de ser desacreditado em poucos segundos. Mas ouso, ainda assim, e com a vossa permissão, recuperar as memorias que trago das entrevistas que eu e a minha equipa fizemos e editámos, quando preparávamos a tal reportagem.
De todas elas – e foram muitas – a nota dominante que tirámos é a da cumplicidade que existia e, pelos vistos, permanece, entre os elementos do grupo. Entre as gerações – João, associar a palavra gerações (no plural) ao grupo de teatro, é sinal de que estás velho - entre as gerações, dizia eu, de actores, e não só, que passaram por esta casa, parece ficar uma inesgotável cumplicidade, uma eterna amizade e uma agradável saudade (e reparem que quase que fiz uma quadra!). Cumplicidade, amizade e saudade daquelas que só nós ligam às coisas verdadeiramente importantes da vida.
A longevidade deste grupo de teatro diz-nos duas coisas. A primeira, é que todos os que por aqui passaram estarão hoje, provavelmente, mais gordos, com mais cabelos brancos ou, em alternativa (ou cumulativamente, no pior dos cenários), mais carecas. A segunda é que, se foram capazes de apresentar 50 peças de teatro – meia centena meus senhores! – então é porque o público vos deixou faze-lo.
Sei que conquistaram o vosso público, e que o fizeram a ferros. Mas também sei que, numa relação, mais difícil do que a conquista, é manter a chama acesa. Se tiveram, como parece, esse mérito adicional – o maior de todos – então é porque souberam reinventar-se, sem nunca deixar de surpreender. É porque arriscaram, ousaram. É porque, quando vos correu bem, não se deslumbraram e porque, quando vos correu mal, não desistiram.
E tudo isto diz-nos ainda outra coisa. Diz-nos da qualidade do trabalho que aqui é desenvolvido e dos reflexos que esse trabalho tem no panorama artístico e cultural de São Vicente e de Cabo Verde. É possível ser-se mau naquilo que se faz e, apesar disso, estar anos a fio no auge. Mas só quando se é bom, é que se tem o discernimento para perceber que ser bom não chega.
Cabo Verde terá no teatro um diamante em bruto. Uma arte que tem dado muito ao país, mas que pode dar ainda mais. São Vicente, que é, de longe, o tubo de ensaio das artes cénicas nacionais, poderá ter aqui um filão interessante a explorar. Vocês que são, na grande maioria, homens e mulheres do teatro, saberão aquilo que vos faz falta. Aquilo falta para que o teatro possa dar um passo em frente. Não falo sequer de profissionalização, porque isso são outros quinhentos. Falo da criação de salas de ensaio, de palcos dedicados permanentemente ao teatro. Falo de formação de base e continua mais regulares. De produção teatral constante e não apenas em determinadas alturas do ano.
Aquilo que aprendemos com as gentes do teatro – aquilo que aprendi convosco e com este livro – é que não são precisas condições excepcionais. Não são precisos projectos megalómanos, torres com vários andares, zonas comerciais e fachadas espelhadas (onde é que eu já ouvi isto?) que, na maior parte dos casos, nunca saem do papel, porque não passam de “conversa para boi dormir”, ou que, saindo, rapidamente se tornam uma anedota, porque ninguém pensou na sua sustentabilidade ou se preocupou em adequar o projecto à ilha e ao pais em que vivemos.
Ao folhear o Palco 50, e ao passar os olhos pelas fotografias seleccionadas e pelos textos recuperados, aquilo que me passa pela cabeça é essencialmente isto: estes tipos são mesmos teimosos.
O teatro é, em certa medida, e corrijam-me se estou enganado, fantasia. Mas é também realidade, mesmo que transfigurada. Pois bem, é nesse caminho entre cá e lá que está a chave do vosso sucesso. Nunca deixaram de ambicionar, mas também nunca se esqueceram de quem são e de onde vêem. E é essa ligação à terra que confere ao vosso trabalho, aqui resumido, um sentido e um sentir que se relaciona directamente com o que me parece ser (digo “parece” porque a minha condição de imigrante não me permite ir, por enquanto, mais longe) a alma cabo-verdiana.
Quero que saibam que a vossa teimosia e o vosso sonho nos inspira a todos, todos os dias.
Viva o teatro.
Muito obrigado a todos.
Gostaria de começar por agradecer o convite que o João Branco me fez para estar aqui, a co-apresentar o livro Palco 50.
Quando o João me convidou, refilei durante 30 segundos. Argumentei que ando com pouco tempo – o que é verdade – e que não tinha a certeza sobre o que dizer numa ocasião tão especial. Ao primeiro argumento o João respondeu-me que, com pouco tempo, andamos todos. Ao segundo, não faço ideia.
De facto, continuo sem saber o que é que estou aqui a fazer. Porque raio é que me pediram para apresentar um livro sobre um grupo de teatro cuja história conheço apenas de passagem. Poupo-vos, naturalmente, ao aborrecimento de me ouvirem falar de mim próprio, mas não posso deixar de me confessar: não percebo nada de teatro. Ou vá, não percebo mais do que pode perceber um espectador relativamente assíduo, de há vários anos. Ou um tipo que, por coincidências profissionais, se tem cruzado com o teatro aqui e ali. Bem, também tive umas aulas de expressão dramática no liceu, mas não vamos por aí...
Dizia-vos que, profissionalmente, tenho tido a sorte de me cruzar com o teatro. Uma dessas vezes em que a sorte nos juntou foi em 2013, na altura em que preparei para a Rádio Morabeza uma grande reportagem sobre os vinte anos do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português. Este mesmo pelo qual hoje nos juntámos.
Não me atrevo a palpitar sobre o grupo, correndo o risco de ser desacreditado em poucos segundos. Mas ouso, ainda assim, e com a vossa permissão, recuperar as memorias que trago das entrevistas que eu e a minha equipa fizemos e editámos, quando preparávamos a tal reportagem.
De todas elas – e foram muitas – a nota dominante que tirámos é a da cumplicidade que existia e, pelos vistos, permanece, entre os elementos do grupo. Entre as gerações – João, associar a palavra gerações (no plural) ao grupo de teatro, é sinal de que estás velho - entre as gerações, dizia eu, de actores, e não só, que passaram por esta casa, parece ficar uma inesgotável cumplicidade, uma eterna amizade e uma agradável saudade (e reparem que quase que fiz uma quadra!). Cumplicidade, amizade e saudade daquelas que só nós ligam às coisas verdadeiramente importantes da vida.
A longevidade deste grupo de teatro diz-nos duas coisas. A primeira, é que todos os que por aqui passaram estarão hoje, provavelmente, mais gordos, com mais cabelos brancos ou, em alternativa (ou cumulativamente, no pior dos cenários), mais carecas. A segunda é que, se foram capazes de apresentar 50 peças de teatro – meia centena meus senhores! – então é porque o público vos deixou faze-lo.
Sei que conquistaram o vosso público, e que o fizeram a ferros. Mas também sei que, numa relação, mais difícil do que a conquista, é manter a chama acesa. Se tiveram, como parece, esse mérito adicional – o maior de todos – então é porque souberam reinventar-se, sem nunca deixar de surpreender. É porque arriscaram, ousaram. É porque, quando vos correu bem, não se deslumbraram e porque, quando vos correu mal, não desistiram.
E tudo isto diz-nos ainda outra coisa. Diz-nos da qualidade do trabalho que aqui é desenvolvido e dos reflexos que esse trabalho tem no panorama artístico e cultural de São Vicente e de Cabo Verde. É possível ser-se mau naquilo que se faz e, apesar disso, estar anos a fio no auge. Mas só quando se é bom, é que se tem o discernimento para perceber que ser bom não chega.
Cabo Verde terá no teatro um diamante em bruto. Uma arte que tem dado muito ao país, mas que pode dar ainda mais. São Vicente, que é, de longe, o tubo de ensaio das artes cénicas nacionais, poderá ter aqui um filão interessante a explorar. Vocês que são, na grande maioria, homens e mulheres do teatro, saberão aquilo que vos faz falta. Aquilo falta para que o teatro possa dar um passo em frente. Não falo sequer de profissionalização, porque isso são outros quinhentos. Falo da criação de salas de ensaio, de palcos dedicados permanentemente ao teatro. Falo de formação de base e continua mais regulares. De produção teatral constante e não apenas em determinadas alturas do ano.
Aquilo que aprendemos com as gentes do teatro – aquilo que aprendi convosco e com este livro – é que não são precisas condições excepcionais. Não são precisos projectos megalómanos, torres com vários andares, zonas comerciais e fachadas espelhadas (onde é que eu já ouvi isto?) que, na maior parte dos casos, nunca saem do papel, porque não passam de “conversa para boi dormir”, ou que, saindo, rapidamente se tornam uma anedota, porque ninguém pensou na sua sustentabilidade ou se preocupou em adequar o projecto à ilha e ao pais em que vivemos.
Ao folhear o Palco 50, e ao passar os olhos pelas fotografias seleccionadas e pelos textos recuperados, aquilo que me passa pela cabeça é essencialmente isto: estes tipos são mesmos teimosos.
O teatro é, em certa medida, e corrijam-me se estou enganado, fantasia. Mas é também realidade, mesmo que transfigurada. Pois bem, é nesse caminho entre cá e lá que está a chave do vosso sucesso. Nunca deixaram de ambicionar, mas também nunca se esqueceram de quem são e de onde vêem. E é essa ligação à terra que confere ao vosso trabalho, aqui resumido, um sentido e um sentir que se relaciona directamente com o que me parece ser (digo “parece” porque a minha condição de imigrante não me permite ir, por enquanto, mais longe) a alma cabo-verdiana.
Quero que saibam que a vossa teimosia e o vosso sonho nos inspira a todos, todos os dias.
Viva o teatro.
Muito obrigado a todos.